quarta-feira, 23 de março de 2011

O beijo do tempo


Disseram-me que era possível perceber o tempo pela posição do sol. Ouvi dizer que pelos ponteiros do relógio eu poderia me guiar, que pelo horizonte que desaparece rotineiramente nas sombras, esse tempo se revelaria. Disseram-me que o tempo é esse algo inexplicável, incapaz de ser objetivado em um verbete, mas que organiza a vida humana e ordena o universo, como um encaixe bem distribuído e inquestionável.

Nunca acreditei nesse tempo que determina perfeitamente minutos, dias ou anos. Acredito em um tempo que sela em meus lábios, tão imperfeito e heterogêneo que o gosto se dispersa por minha boca. É esse beijo que é o tempo, tão vulnerável, visceral, delicado. Um beijo quebrável, lançado ao perigo da separação, jogado ao caos, semeado à imperfeição da lembrança. Meu passado, meu presente e o porvir desdobrando-se em tão bela inconsonância. Acredito na imperfeição que me dilacera. Em lábios colados, selados, indefesos. Acredito nesse tempo incansável que me centrifuga, que me aproxima do sublime, em um tempo que dança, ininterruptamente, ao soar do sensível.