domingo, 15 de fevereiro de 2015

Paixão: Liberdade

Menino de lábios fartos, escandalosamente atraentes, entremeando-se entre a quase-inocência e o pleno-desejo. Seu jeito de caminhar despojado, jogando seu corpo ao mundo como quem deseja arriscar-se, sem muito a perder, sem saber o que ganhar, mas com a expectativa de quem conhece o veneno da comodidade. Olhos furtivos, contemplativos, ora envoltos na maior ternura, ora ousando sequestrar parte da alma de quem a eles se despem. Encanta-lhe a profundidade do encontro de olhares: habita o outro como se habitasse a si mesmo, revelando a paixão que imprime à vida e ao encontro de sentimentos. Menino-homem a quem entrego a pele e desejo avidamente, a quem dedico minha alma e compartilho meus anseios de liberdade. Menino do olhar-sequestro, da boca-irresistível, do corpo-livre, para quem não importa viver se não perdidamente apaixonado. 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O beijo gay como acontecimento

Antes mesmo de irromper na cena pública, já mesmo na expectativa de um vir-a-ser, em um cenário ainda predominantemente heteronormativo (quando não misógino e profundamente homofóbico), o inédito beijo entre dois homens na televisão brasileira, exibido pela maior emissora do país, já nasceu como um evento histórico. Juntavam-se, antes mesmo de sua exibição, expectativas consumidoras tanto quanto sócio-políticas. O simbólico gesto de afeto entre os personagens Niko e Félix aparecia como espetáculo oferecido pelo produto midiático, à espera de elevação dos índices de audiência. Não menos, também, do que uma cena-acontecimento, envolta por um atribuído ineditismo, comemorado e criticado por muitos, mas percebido como uma esperada ruptura de um tabu. 

Produto de armação publicitária tanto quanto de pressão de diversos públicos (desde fãs dos personagens e da telenovela até ativistas e militantes das causas LGBT), o acontecimento invadiu simultaneamente os espaços privados (graças ao alcance, pode-se dizer, praticamente total da emissora pela população brasileira), tornando-se alvo de intensa comoção nacional. Fato cotidiano inscrito na tradicional diegese folhetinesca, rompendo com a lógica de convenções sociais que talhavam a exibição de um beijo de caráter homossexual. No interior de uma categoria bem marcada, esta que poderíamos, como em um atalho, denominar "acontecimento pós-moderno", faz assinalar a novidade de uma mensagem indiscreta pela comoção também provocada pelos profissionais do departamento de teledramaturgia da Rede Globo, e utilizada politicamente pela emissora para reproduzir sua grande influência e reafirmar a hegemonia mercadológica. 

O beijo, analisado pelo historiador do presente, corresponde também à sua parte não-factual: aquela que complexifica sua significação, evento que se desloca a um outro conjunto de acontecimentos, ainda mais profundos: momento privilegiado de lutas pela libertação de dominados, de pessoas não-heteroafetivas e não-cisgêneras, submetidas ao domínio e à opressão. O ato simbólico é reiterado ao ser exibido em um dos tradicionais meios do poder disciplinador: a mídia, aquela que conforma performatividades e expectativas concernentes aos papéis sociais de gênero, ao controle da sexualidade e do corpo, às subjetividades e afetividades hierarquizadas. O acontecimento pós-moderno, irradiando-se ainda mais pelo caráter interativo e simultâneo de outras mídias sociais intercomunicantes (com destaque para a internet), que ineditamente antevêm sua realização, agiganta-se: conforma-se como evento político para além das fronteiras tradicionais do Estado; alia os interesses capitalistas representados pela televisão a pautas de movimentos sociais; fabrica a narrativa ficcional é capaz de provocar empatia e identificação, no apresentar a visibilidade de seculares discriminações, fazendo por vezes desmanchar as distâncias repousadas entre ficção e realidade. É este tipo de evento que simultaneamente emerge da expectativa das massas e a elas serve como um verdadeiro espetáculo, pronto a ser consumido e re-fabricado.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sobre efemeridade e história



O tempo escapa pelas mãos de quem, ironicamente, tem a pretensão de amenizar a efemeridade. Ao evocar o vivido, a história permanece em um duelo: lidar com a dimensão fugaz do tempo. Este, com sua força destrutiva, talvez consista em seu maior oponente. Através da fugacidade temporal e da permanência, a lembrança é constituída, o esquecimento tece suas lacunas, o mundo é erigido em suas angústias e esperanças, em seus horrores e contentamentos.

O tempo possibilita, contudo, a existência do pensamento histórico. Invisível e irrefreável em seu domínio, esta multiplicidade de tempos faz o passado esvaecer, transformando-o em escombros que insistem em desaparecer de vista sem, no entanto, deixarem de legar indícios e pistas, contaminando seus futuros, desdobrando-se em sucessões, transformações. A história trata de marcas que homens e mulheres constituíram, de si mesmos e das estradas que percorreram, deixadas muitas vezes de forma não intencional, e que conseguiram sobreviver.


A batalha contra o tempo não pode ser, senão, uma etérea permanência. Estar no mundo é travar também uma luta com a inevitável destruição das pessoas e das coisas. Constituir história(s) é amenizar a iminência da morte, guardar-se, rememorar experiências que puderam formular o hoje. E neste ato, inscrever-se talvez em futuros próximos, divulgar-se a outrem, desafiando a autoridade arruinadora do passar dos dias.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Sensações


Não sei bem ao certo a sensação
Que me toma conta neste momento. 
Sei apenas que minhas lágrimas estão estancadas,
Presas próximas aos cílios. 

Retorcido pela angústia que me causas, 
Meu corpo cai, fraco, doente.
Apesar disso, só consigo te enxergar. 
Em retrospectiva, é verdade. 

Rememorando a maneira como nos entrelaçamos,
Como nossas almas se misturaram 
À medida que fomos nos tornando um só. 

Quando nos fechamos do mundo
E podemos ver apenas os olhos um do outro no escuro, 
Ainda que por alguns instantes, 
Sei que me tens, e isso me basta, 
Porque te sinto, te vejo pulsar. 

Não se trata de apenas felicidade, 
Tampouco de vulgar desejo.
É o teu viver que me fascina.
A intensidade dos teus gestos nos torna inseparáveis. 

Sabíamos, sabemos, mesmo sem uma certeza.
Vivemos um constante e imensurável risco. 
Sinto agora este perigo, palpitando em mim. 
Pouco importa, no entanto, o devir.

Só sei, ou sinto, que quero entre os teus braços
Derramar estas lágrimas presas que prometeste enxugar
Pois só tuas mãos conseguem envolver-me com tal ternura.

Porque te amar, da minha maneira, 
Às minhas contradições, em meio a meu choro
Que ao final destes versos já se reverte em um sorriso, 
Isto é o mais próximo de eternidade.
O qual já pude sentir.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Poesias do olhar


Vejo-me entrecruzado por essas ruas que me escondem quando tenho vontade de sumir. Diluo-me em seus escombros até que esses muros me ensinam a anestesiar os sentidos. Vejo-me como uma pedra perdida em meio ao caos da multidão que me engole. Perante a melancolia, pego-me, de supetão, diante de um rosto que contempla meus olhos.

Nessas horas, a fala me trai por alguns instantes. Deixo o dizível guardado, escondido em minha memória, quase inexistente. Engasgam-me todos os discursos inutilmente proferidos pela cidade. Apenas as poesias escondidas nos olhares de quem me faz visível em meio à caótica multidão é capaz de dimensionar este gigante sentimento que me contempla. Reservo-me a um eterno minuto de silêncio e então, sem esperar, sem aviso, sem qualquer previsão, amo-te meramente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Presentes destinos


Tentamos agarrar com todas as forças esse presente que, mal passando por nossos olhos, escapa pelos vidros das janelas que o encobrem. Raramente paramos para vislumbrar o contraditório dessa dimensão temporal que finita ao mesmo momento em que inicia, quase imperceptivelmente à limitada mente humana. Será este presente uma ruptura perdida no espaço, que viaja à velocidade de um feixe de luz e se destrói na presença de tantas outras compulsórias e também autodestrutivas ondas luminosas? Que "presentes" permitem que nossos corpos permaneçam no tempo, impedindo que caiam no caos incontrolável da existência?

Comumente nos referimos ao presente como uma alegoria a um passado ou futuro próximo, como se estas dimensões estivessem suficientemente vivas; como se fosse possível lembrá-las e relembrá-las, ou nelas morasse o espectro confortável do cotidiano previsível. Esse presente paira como uma estratégia de mediação entre o que passou e o porvir, tornando-se um belo e incontestável equilíbrio ao qual conseguimos, indiretamente, enxergar. Impedidos de ladrilharmos os presentes que nos cercam, seríamos sugados por esse (falso) presente que nos dimensiona à ilusão da comodidade.

Seria possível desfazer os pontos desse equilíbrio; livrar-se dos grilhões do tempo; modificar o destino? Há um certo trauma instalado nos olhos do futuro; uma armadilha que nos espera quando ousamos adentrar o ainda não-acontecido. Mas se a humanidade é capaz de voltar seus olhares para um passado que já nos é (quase) intangível, do qual só nos restam cinzas , por que não nos virarmos para esse misterioso destino? 

O presente, inexistência viva e mediador do caos, não sobrevive sem o tempo; soberano. O destino não é mais do que uma imperfeita mistura entre os caminhos do aparentemente inevitável e as palavras que conseguimos intervir nas poesias do (falso) presente. Mudamos o que está invisível e distante. Tocamos no fogo sem que nossas mãos se sintam queimar; caímos na desarmonia do universo. Nossos presentes, avistados por lentes distorcidas, misturam-se à espiral que une o passado e o futuro nas direções do inesperado. Ao final, presentes e destinos tornam-se intocáveis grandezas espiraladas pelos tantos vetores que transformam a existência em um imprevisível cotidiano. Não há como fugir. O tempo selou um beijo em nossos lábios mais uma vez.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Palavras


“As palavras são, em minha humilde opinião, a nossa mais inesgotável fonte de magia.” – Alvo Dumbledore para Harry Potter em “As Relíquias da Morte”

Há algo de misterioso nessas palavras, que adentram os ouvidos e se fazem vivas, vislumbradas por cada olho-leitor e perpassadas por mentes de todos os cantos e mundos. São letras, sons, gestos, gritos inabafáveis, imagens, melodias do exagero, que ultrapassam o meramente finito e quaisquer limites impostos. Palavras recitadas com paixão; escancaradas pela raiva; escritas com lágrimas. Palavras interditadas, mudas; sequestradas pelo passado; suspensas pela autoridade do silêncio. Fixadas pelas memórias às quais outorgam a própria sobrevivência.

Discursos, poesias ordinárias, imagens recitadas, anotações, diários de outrora, romances esquecidos, subvertidos e adulterados. Muitas de suas palavras insistem em permanecer, desafiando a morte, capazes de despertar e ferir o sensível; de, simultaneamente, envenenar e anestesiar. Palavras de arrependimento perdidas em um momento qualquer; escondidas no seio do proibido; trancafiadas. Lacradas na boca de cada indivíduo e seladas pelo íntimo, ou, aquelas que escapam, ainda que ocasionalmente. São estas pequenas palavras, dotadas de imensurável poder, impregnadas pelo sentir, esmiuçadas no cotidiano, frente ao caráter inusitado da vida humana. O mais próximo do que poderíamos chamar de magia.