domingo, 12 de junho de 2011

O fantástico cotidiano



Parece, de tempos em tempos, que a melancolia se abate sobre o cotidiano. Sentamos no próprio corredor da vida enquanto fechamos as suas portas. Fingimos não enxergar, sentimos o tempo borbulhar pelos nossos pés, tentar fazer-nos voar. Insensivelmente, ignoramos a candura de cada olhar que nos atravessa; invisibilizamos todo tipo de alegria mergulhada no cotidiano dos gestos. Incomoda-nos o tédio; aborrece-nos carregar um peso tão grande nas costas que é a provocação do viver. A existência parece-nos insossa.

Talvez seja essa sensação de melancolia proporcionada pelo cotidiano que nos permita mergulhar mais profundamente nas problemáticas que nos abatem. Mudamos, a cada hora, sem nos fazermos sentir modificar. As lágrimas não caídas, os gestos não aproveitados, os olhares não correspondidos; todos os desperdícios se acumulam em angústias insustentáveis. Procuramos então, em cada atitude, como se tudo viesse a acontecer pela primeira vez, o maravilhoso e assustador gostinho de estréia.

Quando nos damos conta, o peso da experiência trava uma luta com o desejo de que cada repetição seja o novo na vida. Ao final, tudo muda e continua o mesmo simultaneamente. Não existe uma contradição. Apenas essa modificação do imodificável consegue fazer com que choremos, ainda que nossos rostos estejam congelados pelo medo de viver.

2 comentários:

  1. No primeiro texto,que eu considero uma crônica me lembra o Filme Metrópolis.O corre-corre do dia a dia versus o tédio.Provoca uma discussão interior com o eu da gente.Apesar de melancólico nos
    traz movimento,tira-nos da Inércia de ficar pensando,pensando e nos leva de novo à ativa.Adorei.

    ResponderExcluir
  2. Quando os fatos ganham a força simbólica de uma História de parágrafos e parágrados de meandrantes. Quando a cidade se fecha e se abre, quando os becos são iluminados por pessoas e a eletricidade simplesmente se esvai nos corredores de ônibus. A responsabilidade de se proteger e de proteger o outro de si so ressalta as tensões individuais. É tenso caminhar sem semáforos, sem passarelas, sem faixas. É tenso mergulhar na agilidade da cidade e se pegar tendo segundos de respiração ofegante saindo de bocas de lobo em busca de um céu azul, de uma calmaria que não vem, porque lá fora só há chuva. Chuva que provoca erosões tão fortes que destroí, na verdade retransforma, tudo aquilo que aparentemente é fixo. As explosões acontecem sobre os nossos pés, aparecem borbulhares como você disse. O tempo nos transforma, nos fortifica, mas também nos deixa com maior superficie de contato. Cada vez mais a cidade influi nas nossas vidas e as pessoas ainda mais. O tédio acaba quando damos um outro zoom, quando enxergamos mais o outro. Tudo o que tentamos aguentar firmes desaba de repente, é inevitável, mas o foda é quando não estamos em uma zona de conforto. Morremos aos poucos e renascemos de outra forma. Às vezes renascemos mais inertes, menos vivos, mais pálidos e resfriados, mas o clima é flutuante e os carros aquecem as estradas nos empurrando uma rua acima na serra. O peso fica leve e depois ainda mais pesado, aí nos damos conta que é pela diferença de pressão dos lugares. Sabemos nossos passos apenas 5 segundos a frente, mas temos todos os anos atrás que nos guiam para algum lugar que não é tão perigoso a ponto de não nos deixar sorrir. O medo é emergente, o medo é fato, o medo é concreto e irracional. O medo das lágrimas deixarem de cair é maior do que o medo da chuva deixar de cair. O tato rasgado dá mais medo que um retrato borrado dos próximos 5 segundos.
    Queria eu poder dizer que é só uma questão de olhar, não é. Acredito mais no sentir, e deixar de sentir medo também me apavora. A cidade não pode ser inerte aos olhos, ela é dinâmica e nos torna dinâmicos. Somos todos dessa História dinâmicos e mesmo fragmentados não deixamos de ser só alguma coisa. Algo único e ímpar, mesmo. Algo que se desloca sem deixar de habitar um lar. Ai ai a cidade, não há nada mais inspirador que esse chão e esse céu, e tudo que fica entre eles. Os tempos e os espaços marcam e são marcados pelas pessoas. E nós que estudamos essas coisas nos sensibilizamos tanto que tenho medo de estourar toda sensibilidade e de repente acordar inerte. O medo sempre retoma o ringue. Tenho medo de ter muito medo, tenho medo de não ter medo. É assim, tenho medo.

    ResponderExcluir